sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

no trono dos herois



por Alice Silva

A humanidade, com freqüência, usufrui de alguns feriados durante o ano em comemorações quer sejam culturais, cívicas, religiosas e outras que tais. Obviamente, elas são bem-vindas por toda a gente do planeta. Entretanto, são diversas as formas de aproveitamento e gozo destes dias pelos sábios e frágeis homens desta época. Uns tem necessidade de descansar, para desgosto da família que não entende a turbulência da vida urbana, as derrapadas, batidas do trânsito, o patrão que torra e muito mais... Seu inconsciente insiste em repeti-las durante o sono para se acostumar com esta melodia que significa as benesses da vida cotidiana. Os outros, enquanto isso, caem na gandaia para esquecer, no barulho da farra, o barulho da tecnologia moderna dotada de campainhas, assobios, uivos, apitos, que deixam os infelizes completamente zuretas.

Neste sucinto prolegômeno, supra, aspirei examinar só uma parte do assunto em pauta, ainda muito pouco satisfatório. Trata-se de sujeitos oriundos da ralé - maior parte do todo do hemisfério - que trabalham durante o dia com o suor de seu traseiro, que sem cessar, esfrega-se nas cadeiras auto-móveis e outros métodos virtuais-escravagistas. Eis que senão quando termina o calvário. O fim do castigo tem sua recompensa. Ah, o bendito trem ou ônibus de cada dia – nos daí hoje - e o estribo refrigerado, que Deus dá, que Deus dá, olará...!

Mas, no entanto, todavia, contudo, como tudo, tem o lado bom dos feriados, para suprir nossa necessidade básica de lazer e descanso. Aí nos locupletamos a festejar todos os deuses e heróis que herdamos, de Hércules a Tiririca, já que ainda não aprendemos a andar sozinhos. Foi um presente que o maldito passado nos legou sem petição, documentos, nem prova em contrário. Todavia, dizem os mais inconformados e críticos papo-cabeça, que a grande obra que fizeram ontem, está fora da validade, hoje. Ora, ora, direis ouvir estrelas.

Mas ainda há salvação; para tudo há um jeitinho. Não é um sarro curtir um anjinho?

Então nasce o Menino, o Nazareno, filho de pai desconhecido, que de saída tem a enorme tarefa de salvar a humanidade arrasada pela civilização greco- romana. Embora, hoje, não tenhamos nada a ver com isso, Ele ficou adulto e andou fazendo estrepolias por terras de Jerusalém e adjacências. Pregou o amor e a paz. Levou o povo a enfrentar os malditos, até hoje poderosos. Seus adeptos “andaram cegos pelos continentes erguendo estranhas catedrais” e ‘um dia afinal,’ após uma grande trégua, ‘tinham direito a alegria geral’. Decidiram que o Seu aniversário, cuja data se desconhece, devia ser, para sempre festejado, enquanto a salvação não chegasse

Só no Natal, sem armas, os contemporâneos ainda tentam seguir as palavras do Mestre, mas há controvérsias. Em expedições etílicas e gastronômicas, depois de muitas maratonas pelo comércio das cidades, à noite desse dia é comemorada em todas as casas dos cristãos ricos, ou quase pobres, quando proprietários e convivas se vestem com trajes e jóias de alto custo “à la mode, comme Il faut,.” No entorno da mesa, os castiçais iluminam o sagrado, onde sentam-se os notáveis e seus familiares, com gestos e trejeitos naturais à casta. Comedidos comem, pouco para revelar sua classe, acompanha vinhos de ótima safra que é abundantemente servido. Animados com a bebida começam a manifestar sua verve, por isso, entusiastas, bebem desenvolvendo e demonstrando sua porção circense.

O final da festa é só ver para crer, se não foi barrado na porta.

Feliz Natal!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CALENDÁRIO 2012





Com o apoio da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Estado, o Grupo Ilustres Desconhecidas lança, no dia 7 de dezembro, entre 17 e 20h, o seu calendário literário para 2012. O evento será no Vestíbulo Érico Veríssimo do prédio do Legislativo Gaúcho na Praça Marechal Deodoro. O trabalho – cujo tema central é a água e o meio Ambiente - fez parte do movimento ECOA/POA e teve o patrocínio da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental(ABES) e da Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento (AGEOS). Inclui textos de Alice Silva, Arlita Azambuja, Elisabeth Brito, Maria Ivone Fernandes, Mirta Ferrari e da inesquecível Yara Costa Machado, vitimada em outubro em acidente de trânsito.


Ainda no mês de setembro, no dia 26, durante o 26 Congresso Nacional de Engenharia Sanitária e Ambiental, realizado em Porto Alegre, no Centro de Eventos da FIERGS, a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) adquiriu 200 exemplares do Calendário para distribuição aos visitantes de seu estande na Feira realizada paralelamente ao Congresso, evento que contou com a presença do presidente da Empresa, Arnaldo Dutra, das Ilustres Desconhecidas, autoridades do setor e visitantes.

lembranças circences


O mágico e o patético do circo mambembe retratados no cinema, me fizeram lembrar do finado primo Zé Claudio que disparou para Arroio Grande seguindo o circo onde nos regalávamos com os palhaços, o globo da morte, os macacos,os elefantes e os acrobatas. Estava perdidamente apaixonado pela trapezista das meias cerzidas que acumulava as funções de heroína das curtas peças românticas encenadas no picadeiro. Sumiu por alguns dias e voltou com o rabo entre as pernas, murcho e soturno e nunca mais se referiu a sua musa. As tias meneavam a cabeça e comentavam essa loucura à meia voz, mas, disfarçadamente sorriam. Talvez tudo isso tenha a ver com o apelido que lhe deram: raio da lua. Nunca descobri se o mereceu por ser feio ou por ser considerado lunático.

Mirta 08.11.2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

4 vezes tia Irena


Tia Irena, quem diria... (Mirta Villas-Boas Ferrari)

A noite se derramou pela rua, adormeceu os pássaros e empalideceu o verde das folhas. Abraçada pelo silêncio procuro assimilar tudo o que aconteceu com a tia Irena. São fatos, porque vi.

Amazona de afamada destreza foi na juventude agraciada com vários troféus que enfeitam a lareira e vários espaços de sua confortável casa de campo. Mas, desde que seu prometido (coincidentemente ou ,profeticamente, batizado Prometeu) sumiu no mundo sem dar jamais qualquer pista ou notícia ela abandonou as competições.

E ontem, no dia dos seus noventa anos, a família toda em festa, os aduladores se esforçando por seu lugar no testamento, vestindo seu traje de noiva, tia Irene montou o baio Relâmpago que bufou, escoiceou, escarvou o chão e sumiu coxilhas à fora, alçou-se entre as nuvens entre Pégaso e Rocinante.

Sobre os moirões das cercas, os urubus atentos grasnavam agourentos, antecipando a vingança sobre Prometeu.

Não diga o que aconteceu com a tia irena, porque ninguem vai acreditar

(Maria Ivone Fernandes)

Acho que sou meio bobinha,

ouço e creio

nas histórias da Carochinha.

Por isso, se eu contar

a história da tia Irena,

aí mesmo é que vocês

vão me achar uma tonta

mentirosa e safadinha.

Vão me atirar pedras

e virarão as costas pra mim.

Mesmo que eu me esforce

me dane explicando,

mesmo que jure

por todos os santos,

vocês não vão acreditar.

Aliás, sigo pensando

ser injusto e cruel eu me calar,

mas inútil falar.

Às vezes, penso em fazer

uma tentativa, mas logo

me lembro da descrença de vocês,

do ar de escárneo

da cara de ironia

e então me calo.

Sabe o que mais

vou apagar este episódio

e não dormir com ele,

amanhã talvez me apareçam

idéias novas.

Quem sabe me aconselhe com alguém.

Por ora vou mesmo deixar de lado

a tia Irena

e sua atrapalhada história.

Descrédito senil (Alice Silva)

As previsões, muitas vezes, são fontes de dúvida. No entanto, quando acontecem ninguém está prevenido. As mortes, as tragédias climáticas, os acidentes, descobertas na área das tecnologias nos pegam de surpresa.

É comum fazerem previsões, se leas se efetuam ou não, sempre causam estranheza. Seus autores, em geral, são considerados malucos ou, raramente, gênios.

Tia Irena nunca teve créditto como profeta. Cada vez que ela prenunciava uma futura descobera a família a internava. Ninguém acreditava naquilo que ela tinha certeza. Lia muito emlivros e revists, principalmente o que os cientistas acabavam de criar. Ficava sempre indiferente, pois rotulavaos incréus de como pessoas de pouca mufa. Em qye pese sua intelegiência, todos a classificavam como fofoqueira.

Ela havia anunciado que brevemente surgiria o "cinema doméstico". Isto foi a causa de mais um exílio. Não bastou umano paraque o mundo incrédulo corresse atrás do aparelho mágico: a televisão. Indiferente, ela presenteou os parentes com o misterioso objeto. Satisfeitos com o meio de comunicação continuaram com a mesmaopinião sobre as idéias estapafúrdias da velha tia caduca.

Outra novidade apareceu. Na rua ela sentia a necessidadede esclarecer dúvidas sobre os encargos obrigatórios que lhe davam como pagamentos, compras e acertos em lojas e feiras livres. Davam-lhe um crédito de confiança. Argumentavam que para isso ela era capaz. Foi aí que ela se deu conta da matéria deuma revista. Relatava pesquisas deum novo aparelho de comunicação: o celular. Antes que houvesse novo exílio tia Irena fez asmalas. Escandalizou a família, sem antes anunciar o novo invento. Não informou endereço. Dó telefonou de um orelhão para os parentes anunciando a nova utilidade no pedaço.

Tia Irena e seus préstimos (Elisabeth Dias Pereira Brita)

Oh, querida tia Irena

Boa, rica

De pendores e cifrões

Simpática no trato

Alegre no cotidiano.

Mas tinha o seu lado mistério

Cheia de não-me-toques

Era o seu jeito sapeca.

Pois com garra e decisão

Resolveu mudar de vida

Redes de internet

Rádios e jornais

De alcance internacionais

Passou a oferecer seus préstimos.

Puta com hora marcada

Um cliente por dia e só

(era desligada de lucros).

Na hora do chá inglês

Bem na entrada do clube

Irena mudava o rumo.

Dest’arte

Quem desconfiaria

Da vida dupla de Irena

Tão bela senhora esta.

Mas a vida é engraçada

Tem nuances de gaiata

Oferece armadilhas.

Assim Irena moleca

Teve encontro inesperado

Com seu tio adoentado

Carrancudo e quase velho.

Metido a bom cidadão

Apareceu naquele dia.

Mas Irena safada

Não perdeu a pose, não.

Propôs ao tio poltrão

Um negócio com mais ela:

Vender encontros “casuais”

Antecipados e bem pagos

Só damas alto soçaite

E cavalheiros de estirpe.

E desta forma tão simples

Auferiram belos lucros

Diversificaram o negócio:

Ora na praça deserta

Ora em jardim de mansão

Ora no porão da charneca

Ou escurinho do cinema

E outros tantos lupanares.

Diversificar era essencial

Pra evitar monotonia.

E foi assim, quem diria

Que tia Irena granfina

Virou cafetina de luxo.

Quanto ao tio, coitado,

Morreu no segundo infarto.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

com carinho





Tecido retorcido
Yara Costa Machado



De tecido retorcido me faço
de seda jogo um laço
e lá vou passo a passo
me escondo
ameaço
aceito um abraço
depois um amasso
me finjo
não quero
te vejo me altero
te levo ao cansaço
depois ao regaço
tu dizes
eu laço
engano meu bem
é assim que te caço







PINCELADAS BIOGRÁFICAS





por Mirta Villas Boas Ferrari




(Para Yara)





Deste-me uma foto e só bem depois percebeste que a retratada não eras tu.





Em outro dia fui a tua sessão de autógrafo e não estavas lá. Deixe-te um bilhete que juravas ser de outra e juntas rimos muito de tudo isso.





Chegavas sempre atrasada e te explicávamos tudo outra vez.





Diante do teu olhar humilde e úmido (de corça assustada como nas histórias infantis) a bronca nos morria na boca.Nos embascávamos com a profundidade dos teus textos, os temas sempre grandes: a vida, o tempo, o amor e tudo que habitava tua mente fértil, tua reconhecidamente louca fantasia. Teus familiares te diziam carinhosamante "destralhada”, cruza de distraída com destrambelhada. Nós te diremos para sempre poeta.





Se esquecias a bolsa, o casaco, os óculos e o caderno e até, certa vez, o carro, trazias sempre os teus sonhos e tuas histórias maravilhosas.





Com o nosso grupo – ao qual deste o nome – e teu esforço silencioso venceste o sotaque da infância e adquiriste destreza na leitura em voz alta que antes te afligia.





Até no dia de tua grande viagem chegaste atrasada. Nem todos conseguiram te esperar. Nem precisava. Elegante, discreta, doce no trato e no gesto, no riso e na dor, continuas conosco., com teu turbilhão de sonhos, de idéias criativas, de vontade de fazer , de mudar e de viver.





segunda-feira, 26 de setembro de 2011

dois poemas de Maria Ivone L. Fernandes



A FLOR PERMANENTE



Ouve em silencio

meu canto e meu suspiro.

Recobre de doces sons

tua língua

para chamar-me

e canta

como quem clama amor

na tarde quente.

Dá-me teu todo,

selva e pedra

luar e sombra,

e seremos dois

a desvendar segredos

e mil auroras descobrir.

Não me queiras

dor e pranto

em horizonte cinza.

Seremos sóis e luas clareados

no vibrar intenso

desse amor.

Dá-me uma flor

que permaneça

e eu me enfeitarei dela

na longa espera.

Enamorada, acreditarei

que és meu deus

e eu tua amada.

(Primavera/ 2010)




CANTARES DE SALOMÃO

“11.Porque eis que passou o inverno: a chuva cessou e se foi.

13.A figueira brotou os seus figuinhos, e as vides em flor dão o seu cheiro; levanta-te amada minha, formosa minha e vem.”-CANTARES DE

SALOMÃO.



Quando encontrares o amor

ames com o ardor de todo o teu ser.

Mostra-te amando e amada tanto,

que teu peito soe aos ouvidos alheios

como tambor em retumbância.

Que os olhos atentos ao teu amado

não espreitem à distância,

mas o façam partilhar de tua cálida admiração.

Se és presa de todos os anseios

não os guardes em silenciosa oferenda.

De que serve a ti, e ao teu amado,

ânsia assim tão disfarçada e contida?

Só é cego quem não vê,

e mudo quem não pronuncia.

Ouve o ardor do teu peito em brasa

e revela o que ele anuncia.

E que teu canto, quase um grito,

soe como trombeta em regozijo.

Louva, em altos brados,

o que te apetece e te faz vibrante.

E não sejas contida e reservada,

mas antes, retumbe teu ser em plena alegria.

E cuides de mostrar aos outros

a suprema graça do sentir.


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

ilustres ambientalistas











CALENDÁRIO 2012 Fala sobre meio ambiente







As Ilustres Desconhecidas estão participando este ano do movimento ECOA-POA que divulga o 26 Congresso de Engenharia Sanitária e Ambiental que reunirá cerca de 5 mil especialistas em Porto Alegre entre 25 e 28 de setembro. A presença do grupo ocorrerá através do lançamento do calendário 2012 cujos temas são relacionados à água e ao meio ambiente. O trabalho conta com o apoio da ABES ( Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento).



As ilustrações do calendário e toda sua feição gráfica ficaram a cargo da designer Luana Forte e Ronald Augusto, oficineiro, professor, músico e poeta apresenta os textos de Alice Silva, Arlita Azambuja,Elisabeth Brito, Maria Ivone Fernandes, Yara Machado e Mirta Ferrari.

sábado, 12 de setembro de 2009

em breve a coleção da ilustres, altas literaturas


A coleção estampará os seguintes títulos:
Cotinha e outras gurias, de Alice da Silva. O livro de estréia de Alice a revela não só como uma excelente cronista galhofeira, mas acima de tudo demonstra como a arte da ironia pode caminhar sem constrangimento ao lado do sentido da beleza. Destaco também seu olhar não reverente com relação às questões de gênero, a ponto de a autora simular com grande inteligência, por assim dizer, uma espécie de misoginia fora do quadro. Obra para quem tem coragem de rir de si mesmo.

Ateliê de poemas, de Arlita Portela de Azambuja. Após lançar, Estranha Camaradagem, seu primeiro livro, a poeta Arlita de Azambuja retorna à cena com outro excelente conjunto de poemas. O título da recente obra, além de aludir à importância da construção poética, dá a ver mais uma vez a sensível percepção da poeta acerca do amor natural, amor dos cinco sentidos com suas infinitas significações.

Cheiro de pão feito em casa, de Elisabeth Dias Pereira Brito. A poeta e prosadora pretende com este livro tematizar as coisas modestas e concretas. Com efeito, Elisabeth alcança este propósito, mas por meio de um tal requinte de linguagem que, mesmo o pequeno, capturado em seus poemas, se reveste de uma luminosidade avassaladora, e, felizmente, acaba por cegar as pequenezas do nosso entendimento.

Tempo essencial, de Maria Ivone Leandro Fernandes. O lirismo da poeta não é o da nódoa de lama que Manuel Bandeira faz respingar no fraque de um passante, mas sim o lirismo claro e não menos provocante da razão sensível em busca da melhor representação. Maria Ivone compreende o poema como um elevado ato comunicativo cuja voz lírica se desdobra em muitas falas significantes.

Sem perfume, de Mirta Villas Boas Ferrari. Mirta é grande prosadora, ponto. Neste livro onde estréia e põe em ação sua mirada pertinaz, a autora reúne e concentra uma série de observações instantâneas em que sua prosa, de essências e de medulas, descarna o real até o limite do tolerável. O que resta (e o verbo desmerece a agudeza de sua arte) são preciosas iluminuras de tempos e lugares, possíveis apenas no intervalo que a linguagem impõe ao mundo.

Tecido retorcido, de Yara Costa Machado. O título do livro de Yara Machado, faz alusão tanto ao retorcimento imagético dos seus textos filiados à estética simbolista, quanto às dobras secretas do corpo e da sensibilidade do feminino, essa outra metáfora por onde tentamos compreender o humano e suas contradições. A autora atinge a prosa pela poesia, e desanuvia esta com a objetividade daquela.

Aconteceu, de Zilda Gay de Castro. Zilda é a matriarca. É uma espécie de haijin (praticante de haikai) quando produz seus poemas com andamento de prosa. Sua poesia celebra a circularidade do tempo e a alegria de se surpreender com o seu eterno retorno. Em Aconteceu, a poeta nos concede todo o sumo e toda a música de sua vida via linguagem. Memória e imaginário tangidos por seu sopro. Como na harpa eólia, ouvimos o som e o silêncio que simplesmente acontecem.
Aguardem!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

sobre o haikai

"O haicai (poemas de apenas três versos da tradição clássica japonesa) sempre exprime um momento vivenciado no presente. Sendo baseado na natureza, obrigatoriamente fala de coisas concretas, com existência física. E ao falar do presente através de coisas concretas, necessariamente alude à temporalidade, ao provisório e ao efêmero, marcas do mundo terreno. Em outras palavras, o haicai é um veículo para a expressão da transitoriedade."
Eloquente silêncio
Pensamento em transe
Jogue os dados.

Pensamento te pertence
Larápios às soltas
Muros.


Pitanga doçura
sabor delícia
Infância.

Mulher esquálida
Sem eira nem beira
Sabor a ti.

Examino a palavra
gosto e cheiro
Poesia.

Tempo de pitangas
Cheiro de alegria
Cara suja.

Belo arbusto
Lá se esconde o passarinho
Que nada! Namorinho.


ELISABETE PEREIRA BRITTO

terça-feira, 16 de junho de 2009

poemas de maria ivone e elisabete brito




ESFINGE
por Maria Ivone

Paixão,
pasto em labaredas?
Amor,
quieto quintal
de doces frutos
a espera?
Não.
Não é preciso
decifrar-me.
No feitiço das palavras
sou clara como cartilha,
água mansa,
do lago que perpassa
nossa história,
é como sou agora.


......................................................


Feito a mão

por Elisabete Brito

meu verso
o prazer de fazê-lo
não tem preço.
amor
trabalho
duas mãos
dez dedos
nada cobro por ele.
Só os anéis, digo, os papeis.

* * *

Todo dia
nos recantos do ser
surgem mistérios
sensações
que fazem estancar o passo
o coração dispara


Ora é um momento breve
que te franze a face
te enternece
ou faz cantar

A vida é poesia
se tua alma se abrir
vais ouvir mil sinos
no correr do dia.

domingo, 3 de maio de 2009

três das ilustres em pauta


LÍNGUA VIVA

Na inquietação salgada do mar
imagens e silêncio.
Palavra é muda.
Sentir e pressentir presença,
basta.
No incêndio do sol fogo,
a sombra, como toldo,
abriga gestos.
Na brancura da areia fina
cubro-me com teus versos.
O amor se faz manifesto.
Agrada-me o poder do teu verbo,
a flor da língua viva na palavra
me enriquece.
Cercada das essências
sou ilha imersa.


Maria Ivone L. Fernandes
Inverno/2005


* * *


Quaresma

Abrir os olhos, comer o pão. Banhar o corpo,cobri-lo com vestes. Andar,falar. A fronte coberta de cinzas. Para sempre.


fevereiro de 2009

BODA

Um riso fugindo da boca. O olhar que se demora. Dois em um, agora.

Mirta - março 2009


* * *


PALAVRA

Olha pro lado. Sentado
sem dizer palavra,vai alguém sedento,
quem sabe, de toda essa torrente que aprisionas
por timidez ou vaidade .
A palavra – sabe ? – é dom tão grande e puro
que se expressa no grito ou no sussurro.
Não a prendas. Ela tem asas
que conduzem a vida, o amor, a esperança e a beleza.
Deixa-a fluir: ela é linda como uma avenida
cheia de pontos atrativos,vitrines e surpresas.
E essa avenida tem mão dupla, com certeza.

Elisabete





segunda-feira, 30 de março de 2009

uma crônica da alice

COMILANÇA

O ato de comer, na vida normal, acontece todos os dias. Não tem outro jeito. Não estou falando aqui daquelas pessoas que não comem diariamente e que a sociedade não dá a menor pelota. Falo de quem come três refeições diárias. É comer simplesmente as refeições que pomos a mesa, normalmente, para que possamos alimentar o cadáver que ainda respira.
Tudo acima foi para começar o assunto: a comilança do Natal. Não sei se Jesus comia tudo isso no seu aniversário, mas creio que não. Ele pregava a igualdade, a humildade e se houvesse abastança era para ser distribuído. Ele começou com o tema, todo o mundo abusa e fala nisso para posar de gente fina, boazinha sem distribuir uma merreca sequer. Ai´sai na crônica social. Há várias incursões pela mídia. Apresentam pratos da cozinha natalina, iguais ou diferentes, conforme o país. È um mês de correria pelo mercado moderno para comprar os ingredientes e os presentes. Mas nem todos ficam contentes com os últimos.

Na noite de Natal, os que comem, todos se apresentam sorridentes como se fossem generosos, dão presentes úteis e inúteis e os que comem, exibem os quitutes próprios das regiões. Cada um come ou deglute o que consegue enfiar goela abaixo. Se tem maxilar forte exagera na dose. Bebe-se adoidado. É um festival de mastigação e beberagem estupefacientes, sem nem se lembrar do significado da data. As gentes não estão nem aí para o aniversariante.

A controvérsia é a constante. Ai entra a velha discussão sobre o poder. Quanto maior exibição de riqueza melhor, contrariando as premissas cristãs mostram a todo custo o que podem mostrar. Ter é poder, já disse não sei quem. E Jesus Cristo calado. Devia aparecer de repente, para dar um susto e perguntar ‘o que que é isto misifiu?

Logo, o espírito de Natal é somado por mais moedas do que Judas pudesse imaginar, e, Jesus Cristo se dilui no espaço.

Alice 26.12.2008