
Tia Irena, quem diria... (Mirta Villas-Boas Ferrari)
A noite se derramou pela rua, adormeceu os pássaros e empalideceu o verde das folhas. Abraçada pelo silêncio procuro assimilar tudo o que aconteceu com a tia Irena. São fatos, porque vi.
Amazona de afamada destreza foi na juventude agraciada com vários troféus que enfeitam a lareira e vários espaços de sua confortável casa de campo. Mas, desde que seu prometido (coincidentemente ou ,profeticamente, batizado Prometeu) sumiu no mundo sem dar jamais qualquer pista ou notícia ela abandonou as competições.
E ontem, no dia dos seus noventa anos, a família toda em festa, os aduladores se esforçando por seu lugar no testamento, vestindo seu traje de noiva, tia Irene montou o baio Relâmpago que bufou, escoiceou, escarvou o chão e sumiu coxilhas à fora, alçou-se entre as nuvens entre Pégaso e Rocinante.
Sobre os moirões das cercas, os urubus atentos grasnavam agourentos, antecipando a vingança sobre Prometeu.
Não diga o que aconteceu com a tia irena, porque ninguem vai acreditar
(Maria Ivone Fernandes)
Acho que sou meio bobinha,
ouço e creio
nas histórias da Carochinha.
Por isso, se eu contar
a história da tia Irena,
aí mesmo é que vocês
vão me achar uma tonta
mentirosa e safadinha.
Vão me atirar pedras
e virarão as costas pra mim.
Mesmo que eu me esforce
me dane explicando,
mesmo que jure
por todos os santos,
vocês não vão acreditar.
Aliás, sigo pensando
ser injusto e cruel eu me calar,
mas inútil falar.
Às vezes, penso em fazer
uma tentativa, mas logo
me lembro da descrença de vocês,
do ar de escárneo
da cara de ironia
e então me calo.
Sabe o que mais
vou apagar este episódio
e não dormir com ele,
amanhã talvez me apareçam
idéias novas.
Quem sabe me aconselhe com alguém.
Por ora vou mesmo deixar de lado
a tia Irena
e sua atrapalhada história.
Descrédito senil (Alice Silva)
As previsões, muitas vezes, são fontes de dúvida. No entanto, quando acontecem ninguém está prevenido. As mortes, as tragédias climáticas, os acidentes, descobertas na área das tecnologias nos pegam de surpresa.
É comum fazerem previsões, se leas se efetuam ou não, sempre causam estranheza. Seus autores, em geral, são considerados malucos ou, raramente, gênios.
Tia Irena nunca teve créditto como profeta. Cada vez que ela prenunciava uma futura descobera a família a internava. Ninguém acreditava naquilo que ela tinha certeza. Lia muito emlivros e revists, principalmente o que os cientistas acabavam de criar. Ficava sempre indiferente, pois rotulavaos incréus de como pessoas de pouca mufa. Em qye pese sua intelegiência, todos a classificavam como fofoqueira.
Ela havia anunciado que brevemente surgiria o "cinema doméstico". Isto foi a causa de mais um exílio. Não bastou umano paraque o mundo incrédulo corresse atrás do aparelho mágico: a televisão. Indiferente, ela presenteou os parentes com o misterioso objeto. Satisfeitos com o meio de comunicação continuaram com a mesmaopinião sobre as idéias estapafúrdias da velha tia caduca.
Outra novidade apareceu. Na rua ela sentia a necessidadede esclarecer dúvidas sobre os encargos obrigatórios que lhe davam como pagamentos, compras e acertos em lojas e feiras livres. Davam-lhe um crédito de confiança. Argumentavam que para isso ela era capaz. Foi aí que ela se deu conta da matéria deuma revista. Relatava pesquisas deum novo aparelho de comunicação: o celular. Antes que houvesse novo exílio tia Irena fez asmalas. Escandalizou a família, sem antes anunciar o novo invento. Não informou endereço. Dó telefonou de um orelhão para os parentes anunciando a nova utilidade no pedaço.
Tia Irena e seus préstimos (Elisabeth Dias Pereira Brita)
Oh, querida tia Irena
Boa, rica
De pendores e cifrões
Simpática no trato
Alegre no cotidiano.
Mas tinha o seu lado mistério
Cheia de não-me-toques
Era o seu jeito sapeca.
Pois com garra e decisão
Resolveu mudar de vida
Redes de internet
Rádios e jornais
De alcance internacionais
Passou a oferecer seus préstimos.
Puta com hora marcada
Um cliente por dia e só
(era desligada de lucros).
Na hora do chá inglês
Bem na entrada do clube
Irena mudava o rumo.
Dest’arte
Quem desconfiaria
Da vida dupla de Irena
Tão bela senhora esta.
Mas a vida é engraçada
Tem nuances de gaiata
Oferece armadilhas.
Assim Irena moleca
Teve encontro inesperado
Com seu tio adoentado
Carrancudo e quase velho.
Metido a bom cidadão
Apareceu naquele dia.
Mas Irena safada
Não perdeu a pose, não.
Propôs ao tio poltrão
Um negócio com mais ela:
Vender encontros “casuais”
Antecipados e bem pagos
Só damas alto soçaite
E cavalheiros de estirpe.
E desta forma tão simples
Auferiram belos lucros
Diversificaram o negócio:
Ora na praça deserta
Ora em jardim de mansão
Ora no porão da charneca
Ou escurinho do cinema
E outros tantos lupanares.
Diversificar era essencial
Pra evitar monotonia.
E foi assim, quem diria
Que tia Irena granfina
Virou cafetina de luxo.
Quanto ao tio, coitado,
Morreu no segundo infarto.
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