sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

mirta, sua prosa sensível e precisa

www.verbavisual.blogspot.com


Comprovação

Elas ainda existem, as avós iguais as que tive um dia. Eu vi, hoje mesmo, um legítimo exemplar das que fazem bolinhos de chuva, tem opiniões respeitadas, conhecem sabedorias e curas milenares e oferecem conselhos acalentadores.

Lá vinha ela, solene, no corredor do hospital. Magrinha, ar sereno e sério, era toda força em sua saia preta, reta e longa, casaco sete oitavos cinzento, cabelos grisalhos arranjados em coque, sapatos pretos anabela, meias fumée. Achei-a tão bela que fiquei esperando ver ao seu lado Frajola e Piu-piu e eu menina correndo atrás dela.

Mirta (setembro 2008)

Estranha

Nunca vivi onde nasci. Cansei de explicar. Ainda não sou daqui, mas quase. Isso elucida muita coisa, esse meu ar de quem está a passeio no mundo. E talvez esteja.

Mirta

poemas de elisabeth

Saudade, sim

Tendência linguageira mera
faz-me enveredar no tempo
priscas eras
quando amor era amor
desprezo, desprezo
fogueira, fogueira
os olhos choram
chora a cara
de núpcias com a saudade
preciso, sim, tornar hígidos os músculos da alma
para perpassar, sem queimados
nem resguardos,
o quarteirão do tempo
que me joga lá,
lá na casa branca do Bairro,
extasiada face à fogueira de São João
e logo vê-la transformar-se,
apagar-se até se tornar
amásia da geada e, juntas,
amplexo de paixão,
cortarem noite gelada
esqueleto frio, a fogueira,
na noite encardida de estrelas
arredias

Elisabeth maio /2007

ADEUS AO PORTO

Antes, só pensamentos me seguiam nas jornadas.
Misteriosamente, agora,
escuto um arrastar de ruas e ruelas
rondando meus fazeres,
imensas escadarias me seguem em pegadas silenciosas.
Ouço passos no encalço
que me gritam adeuses.
Quando busco vê-los,
são bandeiras coloridas
acenando de sacadas e janelas.
Comove-me tremular delas.
Se lhes grito “ vos amo”
Minha voz se confunde com os ecos
de mil becos: “vus amo”, “vus amo”, v’s amo”.
Ficou-me na lembrança tanto encanto,
as roupas penduradas, tão singelas,
as bicas d’água, o cais,
as igrejas eternas,
e essa ventura que eu sorvia,
dia a dia,
eu, que não sabia nada dela.

Elisabeth / Portugal, 11.04.91