sábado, 12 de setembro de 2009

em breve a coleção da ilustres, altas literaturas


A coleção estampará os seguintes títulos:
Cotinha e outras gurias, de Alice da Silva. O livro de estréia de Alice a revela não só como uma excelente cronista galhofeira, mas acima de tudo demonstra como a arte da ironia pode caminhar sem constrangimento ao lado do sentido da beleza. Destaco também seu olhar não reverente com relação às questões de gênero, a ponto de a autora simular com grande inteligência, por assim dizer, uma espécie de misoginia fora do quadro. Obra para quem tem coragem de rir de si mesmo.

Ateliê de poemas, de Arlita Portela de Azambuja. Após lançar, Estranha Camaradagem, seu primeiro livro, a poeta Arlita de Azambuja retorna à cena com outro excelente conjunto de poemas. O título da recente obra, além de aludir à importância da construção poética, dá a ver mais uma vez a sensível percepção da poeta acerca do amor natural, amor dos cinco sentidos com suas infinitas significações.

Cheiro de pão feito em casa, de Elisabeth Dias Pereira Brito. A poeta e prosadora pretende com este livro tematizar as coisas modestas e concretas. Com efeito, Elisabeth alcança este propósito, mas por meio de um tal requinte de linguagem que, mesmo o pequeno, capturado em seus poemas, se reveste de uma luminosidade avassaladora, e, felizmente, acaba por cegar as pequenezas do nosso entendimento.

Tempo essencial, de Maria Ivone Leandro Fernandes. O lirismo da poeta não é o da nódoa de lama que Manuel Bandeira faz respingar no fraque de um passante, mas sim o lirismo claro e não menos provocante da razão sensível em busca da melhor representação. Maria Ivone compreende o poema como um elevado ato comunicativo cuja voz lírica se desdobra em muitas falas significantes.

Sem perfume, de Mirta Villas Boas Ferrari. Mirta é grande prosadora, ponto. Neste livro onde estréia e põe em ação sua mirada pertinaz, a autora reúne e concentra uma série de observações instantâneas em que sua prosa, de essências e de medulas, descarna o real até o limite do tolerável. O que resta (e o verbo desmerece a agudeza de sua arte) são preciosas iluminuras de tempos e lugares, possíveis apenas no intervalo que a linguagem impõe ao mundo.

Tecido retorcido, de Yara Costa Machado. O título do livro de Yara Machado, faz alusão tanto ao retorcimento imagético dos seus textos filiados à estética simbolista, quanto às dobras secretas do corpo e da sensibilidade do feminino, essa outra metáfora por onde tentamos compreender o humano e suas contradições. A autora atinge a prosa pela poesia, e desanuvia esta com a objetividade daquela.

Aconteceu, de Zilda Gay de Castro. Zilda é a matriarca. É uma espécie de haijin (praticante de haikai) quando produz seus poemas com andamento de prosa. Sua poesia celebra a circularidade do tempo e a alegria de se surpreender com o seu eterno retorno. Em Aconteceu, a poeta nos concede todo o sumo e toda a música de sua vida via linguagem. Memória e imaginário tangidos por seu sopro. Como na harpa eólia, ouvimos o som e o silêncio que simplesmente acontecem.
Aguardem!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

sobre o haikai

"O haicai (poemas de apenas três versos da tradição clássica japonesa) sempre exprime um momento vivenciado no presente. Sendo baseado na natureza, obrigatoriamente fala de coisas concretas, com existência física. E ao falar do presente através de coisas concretas, necessariamente alude à temporalidade, ao provisório e ao efêmero, marcas do mundo terreno. Em outras palavras, o haicai é um veículo para a expressão da transitoriedade."
Eloquente silêncio
Pensamento em transe
Jogue os dados.

Pensamento te pertence
Larápios às soltas
Muros.


Pitanga doçura
sabor delícia
Infância.

Mulher esquálida
Sem eira nem beira
Sabor a ti.

Examino a palavra
gosto e cheiro
Poesia.

Tempo de pitangas
Cheiro de alegria
Cara suja.

Belo arbusto
Lá se esconde o passarinho
Que nada! Namorinho.


ELISABETE PEREIRA BRITTO

terça-feira, 16 de junho de 2009

poemas de maria ivone e elisabete brito




ESFINGE
por Maria Ivone

Paixão,
pasto em labaredas?
Amor,
quieto quintal
de doces frutos
a espera?
Não.
Não é preciso
decifrar-me.
No feitiço das palavras
sou clara como cartilha,
água mansa,
do lago que perpassa
nossa história,
é como sou agora.


......................................................


Feito a mão

por Elisabete Brito

meu verso
o prazer de fazê-lo
não tem preço.
amor
trabalho
duas mãos
dez dedos
nada cobro por ele.
Só os anéis, digo, os papeis.

* * *

Todo dia
nos recantos do ser
surgem mistérios
sensações
que fazem estancar o passo
o coração dispara


Ora é um momento breve
que te franze a face
te enternece
ou faz cantar

A vida é poesia
se tua alma se abrir
vais ouvir mil sinos
no correr do dia.

domingo, 3 de maio de 2009

três das ilustres em pauta


LÍNGUA VIVA

Na inquietação salgada do mar
imagens e silêncio.
Palavra é muda.
Sentir e pressentir presença,
basta.
No incêndio do sol fogo,
a sombra, como toldo,
abriga gestos.
Na brancura da areia fina
cubro-me com teus versos.
O amor se faz manifesto.
Agrada-me o poder do teu verbo,
a flor da língua viva na palavra
me enriquece.
Cercada das essências
sou ilha imersa.


Maria Ivone L. Fernandes
Inverno/2005


* * *


Quaresma

Abrir os olhos, comer o pão. Banhar o corpo,cobri-lo com vestes. Andar,falar. A fronte coberta de cinzas. Para sempre.


fevereiro de 2009

BODA

Um riso fugindo da boca. O olhar que se demora. Dois em um, agora.

Mirta - março 2009


* * *


PALAVRA

Olha pro lado. Sentado
sem dizer palavra,vai alguém sedento,
quem sabe, de toda essa torrente que aprisionas
por timidez ou vaidade .
A palavra – sabe ? – é dom tão grande e puro
que se expressa no grito ou no sussurro.
Não a prendas. Ela tem asas
que conduzem a vida, o amor, a esperança e a beleza.
Deixa-a fluir: ela é linda como uma avenida
cheia de pontos atrativos,vitrines e surpresas.
E essa avenida tem mão dupla, com certeza.

Elisabete





segunda-feira, 30 de março de 2009

uma crônica da alice

COMILANÇA

O ato de comer, na vida normal, acontece todos os dias. Não tem outro jeito. Não estou falando aqui daquelas pessoas que não comem diariamente e que a sociedade não dá a menor pelota. Falo de quem come três refeições diárias. É comer simplesmente as refeições que pomos a mesa, normalmente, para que possamos alimentar o cadáver que ainda respira.
Tudo acima foi para começar o assunto: a comilança do Natal. Não sei se Jesus comia tudo isso no seu aniversário, mas creio que não. Ele pregava a igualdade, a humildade e se houvesse abastança era para ser distribuído. Ele começou com o tema, todo o mundo abusa e fala nisso para posar de gente fina, boazinha sem distribuir uma merreca sequer. Ai´sai na crônica social. Há várias incursões pela mídia. Apresentam pratos da cozinha natalina, iguais ou diferentes, conforme o país. È um mês de correria pelo mercado moderno para comprar os ingredientes e os presentes. Mas nem todos ficam contentes com os últimos.

Na noite de Natal, os que comem, todos se apresentam sorridentes como se fossem generosos, dão presentes úteis e inúteis e os que comem, exibem os quitutes próprios das regiões. Cada um come ou deglute o que consegue enfiar goela abaixo. Se tem maxilar forte exagera na dose. Bebe-se adoidado. É um festival de mastigação e beberagem estupefacientes, sem nem se lembrar do significado da data. As gentes não estão nem aí para o aniversariante.

A controvérsia é a constante. Ai entra a velha discussão sobre o poder. Quanto maior exibição de riqueza melhor, contrariando as premissas cristãs mostram a todo custo o que podem mostrar. Ter é poder, já disse não sei quem. E Jesus Cristo calado. Devia aparecer de repente, para dar um susto e perguntar ‘o que que é isto misifiu?

Logo, o espírito de Natal é somado por mais moedas do que Judas pudesse imaginar, e, Jesus Cristo se dilui no espaço.

Alice 26.12.2008

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

mirta, sua prosa sensível e precisa

www.verbavisual.blogspot.com


Comprovação

Elas ainda existem, as avós iguais as que tive um dia. Eu vi, hoje mesmo, um legítimo exemplar das que fazem bolinhos de chuva, tem opiniões respeitadas, conhecem sabedorias e curas milenares e oferecem conselhos acalentadores.

Lá vinha ela, solene, no corredor do hospital. Magrinha, ar sereno e sério, era toda força em sua saia preta, reta e longa, casaco sete oitavos cinzento, cabelos grisalhos arranjados em coque, sapatos pretos anabela, meias fumée. Achei-a tão bela que fiquei esperando ver ao seu lado Frajola e Piu-piu e eu menina correndo atrás dela.

Mirta (setembro 2008)

Estranha

Nunca vivi onde nasci. Cansei de explicar. Ainda não sou daqui, mas quase. Isso elucida muita coisa, esse meu ar de quem está a passeio no mundo. E talvez esteja.

Mirta

poemas de elisabeth

Saudade, sim

Tendência linguageira mera
faz-me enveredar no tempo
priscas eras
quando amor era amor
desprezo, desprezo
fogueira, fogueira
os olhos choram
chora a cara
de núpcias com a saudade
preciso, sim, tornar hígidos os músculos da alma
para perpassar, sem queimados
nem resguardos,
o quarteirão do tempo
que me joga lá,
lá na casa branca do Bairro,
extasiada face à fogueira de São João
e logo vê-la transformar-se,
apagar-se até se tornar
amásia da geada e, juntas,
amplexo de paixão,
cortarem noite gelada
esqueleto frio, a fogueira,
na noite encardida de estrelas
arredias

Elisabeth maio /2007

ADEUS AO PORTO

Antes, só pensamentos me seguiam nas jornadas.
Misteriosamente, agora,
escuto um arrastar de ruas e ruelas
rondando meus fazeres,
imensas escadarias me seguem em pegadas silenciosas.
Ouço passos no encalço
que me gritam adeuses.
Quando busco vê-los,
são bandeiras coloridas
acenando de sacadas e janelas.
Comove-me tremular delas.
Se lhes grito “ vos amo”
Minha voz se confunde com os ecos
de mil becos: “vus amo”, “vus amo”, v’s amo”.
Ficou-me na lembrança tanto encanto,
as roupas penduradas, tão singelas,
as bicas d’água, o cais,
as igrejas eternas,
e essa ventura que eu sorvia,
dia a dia,
eu, que não sabia nada dela.

Elisabeth / Portugal, 11.04.91